Será a qualidade do vinho influenciada pelas características da garrafa?

Será a qualidade do vinho influenciada pelas características da garrafa?

[tempo de leitura: 5 minutos]

Todos os vinhos são distintos entre si. Sabemos que a localização das vinhas, a qualidade das uvas, a sazonalidade, o clima, o solo, particularidades no processo de produção ou mesmo o armazenamento, têm impacto no aroma, cor e teor de um vinho.

Mas será que o tipo de garrafa, onde o vinho é transportado, pode ter influência, nas suas características?

Uma breve lição de História

É em pinturas egípcias, ilustrando o processo de vinificação e o consumo da bebida, em celebrações, que encontramos os primeiros registos da produção de vinho, datados entre 3000 a 1000 a.C.

Apesar de muito permanecer por descobrir, como denotado pela recente descoberta, ainda em 2023, da tumba da rainha Merneite, em Abidos, no Egito, onde arqueólogos desenterraram centenas de vasos lacrados, que se acredita conterem restos de vinho antigo, sabemos que, na Grécia Antiga, os vinhos eram armazenados e até mesmo vendidos, em jarras e tonéis, sendo servidos, com toda a pompa e circunstância, em recipientes de cerâmica, longe da versatilidade das garrafas de vidro que hoje conhecemos.

A origem do vidro é alvo de relativa controvérsia, sendo a sua descoberta atribuída aos navegadores Fenícios, que notaram a formação de material vítreo, após inúmeras fogueiras sobre a areia das praias, segundo documentos do historiador romano Plínio Caio, datados do século I a.C.

No entanto, a sua utilização, no fabrico de garrafas, ocorre apenas no século XVII, dando resposta a um problema, até então, comum a todas as regiões produtoras, na medida em que proporcionou uma solução resistente, reciclável e inerte, para transporte e armazenamento de vinho.

Apesar de não ser, inicialmente, normalizado, a procura por maior longevidade, do vinho, conduziu à padronização do formato, complementado pela adição da rolha de cortiça e do “lacre”.

Atualmente, é possível encontrar garrafas de diferentes formatos e cores, algumas das quais, transcendendo a premissa funcional de armazenamento, preservação e transporte, para se tornarem verdadeiros itens de coleção.

Mas quais serão os aspetos que influenciam na diferença entre formatos? A resposta pode ser encontrada, analisando da anatomia da garrafa, procurando perceber as implicações de cada parte do recipiente. 

 


A anatomia de uma garrafa de vinho

Independentemente do seu formato, o corpo da garrafa é constituído por várias partes, com funções distintas:

  • Base: Parte inferior do recipiente, com formato, geralmente, côncavo que desperta curiosidade, dando, inclusive, origem a diversas teorias, sobre as quais falaremos, mais adiante.
  • Bojo: Parte mais larga da garrafa, também chamada de corpo, podendo variar em largura, de acordo com o tipo de garrafa.
  • Ombro: Recebendo o nome, pela semelhança com esta parte do corpo humano, descreve a zona em que o recipiente afunila.
    Alguns formatos, possuem ombros mais acentuados, com o intuito de reter os sedimentos, quando o vinho é servido, como será o caso da garrafa bordalesa, que adota esta característica, em função dos resíduos sólidos típicos da região.
  • Pescoço: Parte mais estreita da garrafa, situada entre ombro e o gargalo, permitindo dosear o vinho, no momento de servir. É, geralmente, envolvido por uma cápsula de proteção, que deve ser cortada, no momento da sua abertura.
  • Gargalo: Descreve o limite superior do pescoço, por conseguinte, da garrafa, constituindo a parte por onde é libertado o vinho.
    Tratando-se da área que aloja a rolha, é reforçado, com o intuito de aumentar a sua resistência, promovendo a sua melhor fixação e a correta vedação do recipiente.

É da junção das várias partes acima identificadas, que surge a característica garrafa de vidro, facilitando a identificação visual do seu conteúdo, de entre um vasto universo de vinhos que temos à nossa disposição.

Mas se é verdade que a garrafa dispõe de múltiplas partes, o mesmo é também verdade, no que respeita a cor do vidro, levando-nos a questionar se esta característica exerce alguma influência, nos aspetos qualitativos do vinho.

 

As diferentes cores das garrafas de vinho

Na maior parte dos casos, verde é a cor de eleição, resultando da queima da turfa, um dos combustíveis mais comuns, utilizados no processo de fabrico do vidro, sendo possível encontrar outras cores como o castanho, diferentes tons de âmbar ou mesmo incolor.

Conscientes de que, um dos princípios de preservação do vinho, passa por mantê-lo distante da luz, podemos facilmente concluir que, em termos práticos, quanto mais escura a garrafa, melhor irá proteger a bebida, abrandando o processo de oxidação.

Seguindo a mesma lógica, facilmente se compreende que garrafas incolores são mais adequadas para vinhos de consumo rápido, uma vez que a maior exposição à luz, promove a celeridade do processo de deterioração.

No entanto, principalmente por questões de marketing, são muitas as vezes em que nos deparamos com vinhos espumantes, brancos ou rosés, armazenados em garrafas incolores, tirando partido da atratividade da cor da bebida, afinal de contas, os olhos também “comem”.

Percebemos então que, ambos formato e cor, possuem ambivalência estética e funcional, existindo, porém, mais um fator a considerar, na nossa demanda para perceber se as características da garrafa influenciam a qualidade vinho, nomeadamente, o seu tamanho.


Os vários tamanhos disponíveis

Apesar de existirem vários tamanhos, o mais comum é a habitual garrafa de 750ml. Mas será que existe uma razão para este volume específico?

São várias, as teorias que procuram estabelecer a razão de este se ter tornado o tamanho standard, porém, a mais popular e, simultaneamente, a mais plausível, estabelece que 300 garrafas de 750ml, equivalem a uma barrica de 225L, como aquela utilizada em Bordeaux (França) e comercializada pelos ingleses, facilitando a conciliação entre os sistemas métricos dos dois países.

Apesar de 750ml ser o formato de consumo mais recorrente, descreve, atualmente, apenas um de entre vários formatos standard, menos comercializados, disponíveis no mercado:

  • Split ou Piccolo: Também chamada de garrafa baby, tem capacidade de 187ml.
  • Meia Garrafa: Comum em espaços de restauração e em vinhos mais simples, tem capacidade de 375ml.
  • Standard: É a garrafa mais comum, com capacidade de 750ml.
  • Magnum: Um formato com capacidade de 1,5 litros, equivalente ao conteúdo de duas garrafas standard.
  • Double Magnum ou Jeroboam: Mais comum em Bordeaux, tem 3 litros de capacidade, equivalendo a duas garrafas Magnum ou quatro garrafas standard.
  • Rehoboam: Garrafa com capacidade de 4,5 litros, baptizada com o nome do filho do rei Salomão, geralmente, usada na Bourgogne e Champagne
  • Matusalém ou Imperial: São 6 litros em apenas uma garrafa, o equivalente a oito garrafas padrão.
  • Salmanazar: Geralmente usada para champagnes, esta garrafa armazena 9 litros de vinho.
  • Baltazar: O nome de um dos magos bíblicos e rei que celebrou o nascimento de Jesus, também batiza uma garrafada com capacidade de 12 litros, utilizada, principalmente, para edições comemorativas e raras.
  • Nabucodonosor: O rei babilónico a quem atribuem a construção dos jardins suspensos da Babilónia dá nome a esta garrafa, com capacidade de 15 litros.
  • Melchior ou Salomão: A maior de todas as garrafas, com capacidade de 18 litros, cujo peso obriga ao recurso a equipamentos, para auxiliar no serviço.

Como podemos reparar, o argumento de que existe uma correlação entre o formato de 750ml e as barricas de 225L, parece ser reforçado, pelo facto dos restantes formatos, acima identificados, descreverem múltiplos ou submúltiplos deste valor.

Sem estudos que o corroborem, alguns amantes de vinho e sommeliers optam, muitas vezes, pelas garrafas de maior tamanho, na crença de que as mesmas retardam o envelhecimento.

Uma das razões, prende-se com o facto da quantidade de gás que permanece dentro de uma garrafa de standard, ser exatamente a mesma de meia garrafa ou de uma Magnum, fazendo com que, em função do seu volume, a meia garrafa tenha um maior contacto do vinho com a rolha, o que se traduz num amadurecimento mais célere.

Mas se, por um lado, colecionadores de Bordeaux, por exemplo, valorizam as garrafas maiores, precisamente porque acreditam favorecer um envelhecimento mais lento e subtil, por outro, garrafas de champagne, de grande formato, conquistam adeptos, não por questões técnicas, mas pelo marcado impacto visual.
 

Os diferentes formatos das garrafas de vinho

Juntando corpo, cor e tamanho, somos confrontados com um número infindável de opções de garrafas de vinho, de entre as quais podemos, no entanto, destacar as 5 mais conhecidas:

  • Bordeaux ou Bordalesa: Esta é a garrafa mais conhecida e fácil de encontrar. Originária da região de Bordeaux, na França, estas garrafas apresentam o bojo cilíndrico e os ombros acentuados, para facilitar a retenção de resíduos sólidos típicos da região. É utilizada para armazenar a maioria dos vinhos tintos, para além de alguns brancos e rosés.
  • Borgonhesa: Original da região de Borgonha, são garrafas com ombros mais curtos e menos marcados e bojo praticamente cónico. É frequentemente utilizada para vinhos brancos e tintos, em particular, Chardonnay e Pinot Noir.
  • Renana: Apesar do nome poder remeter para o rio Reno, ela é fabricada na Alemanha. Utilizada para o armazenamento exclusivo de vinhos brancos, como Riesling ou Gewurztraminer, estas garrafas apresentam um bojo alongado e ombros atenuados, sendo, na maior parte dos casos, mais altas que os demais formatos.
  • Do Porto: A nossa garrafa, como manda a tradição portuguesa, é mais baixa, com bojo largo e ombros bem acentuados. Utilizada para vinhos fortificados e, claro, vinhos do Porto, podem existir variações ligeiramente mais altas, indicadas para armazenamento de Xerez e Marsala.
  • De Champagne: Produzidas para vinhos espumantes, do mesmo nome, estas garrafas assemelham-se à Borgonhesa, com ombros curtos, mas, comparativamente, mais baixos.
    O vidro, mais espesso, é obrigatório, para aguentar a pressão interna, gerada pela gaseificação da bebida.

Apesar de já termos abordado múltiplos aspetos, no âmbito das características das garrafas, um mistério permanece, por desvendar. Então e o Fundo côncavo, qual é afinal o seu propósito?

O Fundo Côncavo

Se chegou a este ponto do artigo, poderá estar a questionar-se acerca de um detalhe curioso, que ficou por esclarecer. Então e o fundo côncavo?

Já alguém o terá tentado convencer que "quanto maior a concavidade da garrafa, melhor a bebida”, certo?

Embora sejam muitos, aqueles que ainda acreditam nisto, a verdade é que esta característica das garrafas, não tem implicação fundamentada, na qualidade do vinho, prendendo-se com aspetos funcionais que mantêm uma estreita relação com a história da produção de vinho.

Também conhecido como “punta” ou “punt”, o formato côncavo, pode ser encontrado em garrafas de diferentes tamanhos e formatos, sendo, porém, mais comum, em garrafas de vinho tinto.
Apesar de, na sua origem, constituir uma solução adotada com o simples intuito de conferir maior estabilidade à garrafa, quando em posição vertical, com o passar do tempo, outras funções ou razões de ser lhe foram atribuídas, como maior resistência a impactos externos ou à pressão interna dos gases, assim como um detalhe ergonómico, para facilitar o serviço, colocando o polegar na concavidade, de forma não aquecer ou marcar a garrafa.

Também o facto de permitir o alojamento de sedimentos insolúveis do vinho, gerados naturalmente, no decurso da fermentação, evitando que caiam no copo, durante o serviço, fundamentou a decisão, dos produtores, em manter o detalhe.

Entramos efetivamente no debate da dialética forma/função, sendo que, apesar da intenção original, todas as razões acima, justificam uma existência multifacetada, do fundo côncavo.

Conclusão

Será então a qualidade do vinho influenciada pelas características das garrafas?

Quando falamos em influenciar a qualidade, certamente não esperamos que características como o formato, a dimensão ou cor de uma garrafa, transformem um vinho de qualidade média, num vinho de excelência.

Não obstante, o potencial de guarda e evolução de um vinho, podem beneficiar de características como a cor da garrafa, na medida em que, como vimos, cores mais escuras protegem, ainda que parcialmente, da ocorrência de efeitos indesejáveis, resultantes da exposição a fontes iluminação natural ou artificial.

Apesar de serem, na maioria dos casos, fabricadas com vidro colorido, para filtrar parte da luz ultravioleta, a exposição prolongada, pode causar a degradação dos compostos orgânicos, afetando cor e aroma, conduzindo inclusive à formação de sabores desagradáveis, fenómeno designado de "sabor de luz", razão pela qual continua a ser de vital importância, manter os vinhos num ambiente escuro.

Ainda que não se encontre devidamente fundamentada, podemos, com alguma reserva, considerar a crença no facto de a maior dimensão da garrafa, reduzir o contacto do vinho com a rolha, prevenindo a deterioração prematura, por oxidação.

Assim, no contexto do armazenamento, sendo um dado adquirido que, em qualquer produto, a função da embalagem passa por proteger ou preservar características, por conseguinte a qualidade, a resposta, apesar de não aplicável a todas as características das garrafas, é um sim definitivo.

Com vontade de manusear alguns dos diferentes tipos de garrafas de vinhos?

Visite a nossa loja, em Leiria, e descubra dezenas de garrafas distintas.

Pode, também, inspirar-se com os vinhos disponíveis, na nossa Loja Online.

 
Ficou com alguma questão?

A nossa equipa terá todo o prazer em ajudar. Contacte-nos.



Fontes:

Famiglia valduga: Influência da garrafa no vinho
https://blog.famigliavalduga.com.br/influencia-da-garrafa-no-vinho/
https://blog.famigliavalduga.com.br/a-importancia-da-adega-para-a-conservacao-dos-vinhos/

Onivino: Tamanho das garrafas de vinho
https://onivino.com.br/blog/os-tamanhos-das-garrafas-de-vinho/

Megacurioso: Porque garrafas de vinho têm o fundo concavo?
www.megacurioso.com.br/estilo-de-vida/124622-por-que-garrafas-de-vinho-tem-o-fundo-concavo.html

Univinho: Porque algumas garrafas de vinho possuem o fundo côncavo
https://univinho.com.br/porque-algumas-garrafas-de-vinho-possuem-o-fundo-concavo/

Vinomundi: Garrafa de vinho
https://vinomundi.com.br/blog/curiosidades/garrafa-de-vinho/

Revista Galileu: Jarras de vinho de 5 mil anos, encontradas em túmulo de rainha egípcia
https://revistagalileu.globo.com/ciencia/arqueologia/noticia/2023/10/jarras-de-vinho-de-5-mil-anos-sao-encontradas-em-tumulo-de-rainha-egipcia.ghtml
Voltar para o blogue